Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

domingo, 11 de maio de 2025

Abandonos

 

https://prehistoricportugal.com/megaliths/


    Andamos por aí, sempre foi assim. Somos andarilhos natos. Sê-lo-emos, decerto, enquanto as pernas o permitirem. Tu apaixonas-te pela História e eu inebrio-me com os sons, os odores, o silêncio, os encantamentos de uma luz coada sobre a planície. Depois, escuto-te e enriqueço.

    Lamentamos o abandono a  que vão sendo soltos os lugares: capelas caídas, sítios megalíticos empilhados depois das sucessivas lavouras e, mesmo quando anunciados em rotas turísticas, acessos que a invernia vai tornando inacessíveis. Como é possível? Como é possível que Évora não core de vergonha perante o estado a que chegou o acesso ao Cromeleque dos Almendres? Sete mil anos deixados ao acaso, repletos de turistas e de estudiosos...


Ana - Maio 2025

    A uma altura em que se digladiam retóricas ocas, fica bem claro como alguns aspectos são completamente esquecidos. Caminhemos, no entanto, como das tantas vezes em que aqui viemos. Hoje, foram cerca de três quilómetros  a pé para lá chegarmos. A quem interessa a História? A quem interessa que se esqueça a História?

Ana - Maio 2025

    Valha-nos a beleza do montado...

    

terça-feira, 6 de maio de 2025

Céu Plúmbeo

 

Bettina Baldassari

Olha, no céu plúmbeo, uma pomba

voa serena sobre o verde e as flores.

Anda, retira de tua alma as dores

e aspira o polén de vida que tomba.


Que tomba da corola solene e bela

e perfuma o cinzento de silêncio e ar!

Leva doçura à alma eleita para amar,

traça, com tuas mãos, a felicidade singela.


Singela na beleza e o seu raio inunda

a alma triste onde a saudade dói...

com ecos de lonjura, fera e rotunda!


Plúmbeo o céu, o Sol, o cinzento destrói.

E não temas, tu és a razão profunda...

Ama! Pois, afinal, a vida se constrói.


                                 Ana Tapadas, Sul Sereno, editora Europa, 2024, p. 38





quinta-feira, 24 de abril de 2025

Estarei ali...algures! Teria dezasseis anos feitos há pouco.

 

Fernando Correia, Abrantes, 1974




"Parece que foi ontem... parece que foi nunca".

Eduardo Lourenço


Fernando Correia, Abrantes, 1974

Este dia é um canteiro
com flores todo o ano
e veleiros lá ao largo
navegando a todo o pano.
E assim se lembra outro dia febril
que em tempos mudou a história
numa madrugada de Abril,
quando os meninos de hoje
ainda não tinham nascido
e a nossa liberdade
era um fruto prometido,
tantas vezes proibido,
que tinha o sabor secreto
da esperança e do afecto
e dos amigos todos juntos
debaixo do mesmo tecto.

                   
José Jorge Letria


Nota: eram pretas as nossas batas de Liceu.

quarta-feira, 16 de abril de 2025

"Chamo-Te porque tudo está ainda no princípio"

 

Alentejo, 2025


Chamo-Te porque tudo está ainda no princípio
E suportar é o tempo mais comprido.

Peço-Te que venhas e me dês a liberdade,
Que um só dos Teus olhares me purifique e acabe.

Há muitas coisas que eu não quero ver.

Peço-Te que sejas o presente.
Peço-Te que inundes tudo.
E que o Teu reino antes do tempo venha
E se derrame sobre a terra
Em Primavera feroz precipitado.

                                               Sophia de Mello Breyner Andresen, Coral, 1950



Alentejo, 2025


    Que este tempo de passagem vos seja leve e doce, meus amigos!


Pessach/Páscoa


segunda-feira, 31 de março de 2025

Cyclamen de Alepo

 

cyclamen cá de casa, 2025

Cantos para o amor
1
um eco de ti me disse:
“o segredo que fala de ti e de mim
não tem idade”
2
sabemos como podem amar as estações
sabemos que línguas falaram
no desconhecimento do vento e do espaço
3
não tenho medo
devo inventar o testemunho que
te corresponde

Entre teus olhos e eu
quando penetro meus olhos nos teus
vejo a alvorada profunda
vejo o antigo ontem
vejo isso que ignoro
e sinto que passa o universo
entre os teus olhos e eu

Unidade
o universo uniu-se a mim
suas pálpebras cobrem com as minhas
o universo ligou-se à minha liberdade,
qual dos dois criou o outro?

Não possuo edição portuguesa



    Pseudónimo de Ali Ahamed Said Esber, poeta conhecido por combater o sionismo e as ditaduras árabes, defende uma poesia livre das amarras das instituições políticas e das obrigações religiosas.

(Enquanto desviamos o olhar.)